The Paulinho Serra effect

Hell Ravani
5 min readDec 29, 2019

Esse ano me travou completamente. Pode ter sido as bizarrices do novo Governo, ou a dificuldade de ser PJ e ter que me desdobrar como líder espiritual, aliciadora de boletos e assistente de mim mesma sem dormir chorando. Quem sabe o que pegou mesmo foi o encerramento da padaria aqui do lado de casa (episódio em que mais um carioca com medo de uma Guerra Civilek fugiu pra Portugal)… DE QUALQUER FORMA passei o ano sem transar, dormir ou me exercitar direito porque não tá dando pra simplesmente FAZER as coisas. E isso não significa que tô sem fazer nada — o ócio também parece impossível tamanha agitação de males súbitos que o novo mundo me provoca. Vivo perigosamente vacilando no estado amoeba de patinete elétrico. São tantas questões absurdas que tenho pensado demais no significado delas, sem ser capaz de agir como antigamente.

Me toquei disso no mesmo dia em que esbarrei com outra realidade: esse novo mundo — Que mal conheço más desconsidero pacas — já tá sendo dominado por cobranças e novos ídolos clonados, a exemplo do efeito Paulinho Serra. Explico: numa noite saí pra jantar e no restaurante acontecia um show de comédia do Paulinho Serra. ok. Nada de estranho por um breve momento. Na manhã seguinte, atendi a uma consulta num shopping e aí veio a visão perturbadora do apocalipse 2000: um outdoor anunciava um show de Paulinho Serra no dia anterior, NA ÚNICA NOITE EM QUE SABIA EXATAMENTE A AGENDA DE PAULINHO SERRA.

Sem entender nada mas sem paciência pra questionar voltei pra casa pra me deparar com mais um cartaz de show de Paulinho Serra acontecendo num bar naquela semana. E mais outro. E depois outro no mesmo dia. PERA. VOLTA. SERÁ QUE VIRAMOS TODOS PAULINHO SERRA??? Sei lá, achei que já sabia quem eu era e nada em mim era Paulinho Serra. Não me conheço mais? Tudo bem, auto-conhecimento não é um checklist eterno. Mas me deixei pra lá ao ponto de virar Paulinho Serra diante de meus próprios olhos? Não é possível, mas o que é impossível hoje em dia?

TO PRAIEIRO, TO SOLTEIRO, SOU PAULINHO, QUERO MAIS O Q? Seria o Paulinho Serra uma metáfora pras poeira de estrela que sobraram do Bigbang e todos somos um pouco Paulinho? Ou será que tanta decepção geral com o sistema me levou a morar na República de Little Paulo? Outra urgência: a novela O CLONE foi baseada em fatos reais e Paulinho é o filho que Gloria Perez nunca pode assumir? Com tantas questões importantes resolvi focar meu tempo numa pesquisa superficial e o resultado não foi muito animador.

Assim como qualquer apocalipse, ele se vende bem. O meu susto clonado era na verdade um projeto de dominação mundial da comédia, liderado por Paulinho Serra. Nem sempre ele faz os shows mas dá as caras nem que seja pra apresentar e encabeçar o esquema. Com um pouco de marketing foi possível quebrar as leis da física e atochar shows paralelos acima de todos, quantos forem necessários pra salvar o mundo.

Então tô dizendo que é errado fazer muitos shows por dia? Não, né. Que cada um pague as contas do melhor jeito amém mas, a longo prazo, sabe se lá o que isso significa pra comédia brasileira, que assim como nós anseia por dias melhores. O próprio George Carlin advogava pelos números, e pra que um comediante JR. fizesse quantos apresentações fossem possíveis pra engatar na linguagem, mas também dizia que depois de um tempo isso perderia o sentido pro indivíduo se nada de novo fosse criado. Aqui no Brasil, a escolinha do quanto mais melhor tem pelo menos levado “o show pelo show" a extrapolar os limites da classe média. Nesse ano, vi mais shows novos do que nunca, em regiões mais longes e despontando talentos diferentes que podem vir ser uma boa surpresa na cena apesar do formato em si não ter evoluído muito. Porém devo dizer que o PAULINHO EFFECT de quem faz muito show continua sendo um privilégio, um paraíso destinado aos não-desgraçados demais.

Depois de pouco tempo subindo num palco de standup é difícil não ver os absurdos por trás: pra ganhar qualquer mixaria você precisa se submeter a um “dono de noite", grupo de comédia ou bar, que geralmente não tão nem aí pra criar um ambiente saudável pro comediante. Se você for mulher, pode incluir na conta outros abusos, alguns deles quase impossíveis de denunciar sem se queimar. Talvez nos tempos que o G.Carlin tava lutando pra contra-comédia existir era um terreno mais fértil e menos árido se aventurar nos palcos do que hoje em dia.

Então fica a pergunta: pra quem serve a comédia brasileira? Certamente não aos comediantes, esses se matam sem poder falar de fato o que incomoda.

Como você não vai criar um conteúdo repetitivo depois da vigésima semana disso sem pausa, sem grana e com uma pressão da porra pra impressionar?

Pra mim, que nunca fui fã da pressa e da quantidade acima de todos: Não sei se algum dia vou ter autoestima no estômago de novo pra subir num palco todo fim de semana, depois da bagaceira de traumas que ser comediante me causou ao longo dos anos. Foi por isso que fui atrás de trabalhar com roteiro, onde poderia escrever piada sem ter que me expor a processos abusivos só pra existir num moedor de almas. Agora Agora tô amoeba. Não sei se tem jeito pra isso, parece que o mercado audiovisual também é feito pra matar a opinião de mulheres, ainda que se anuncie o contrário no novo mundo de Paulhos Serras clonados por aí.

E se não deu pra entender, não sei se dá pra explicar além disso na real, são camadas demais de silêncio que precisam existir entre você e seus sentimentos pra poder ser alguém nesse fuzuê. Daí ninguém vai te julgar se ficares de boas flutuando na boia dos ninguém, né?

Apesar da falta de jeito, gostaria de terminar esse texto numa nota de esperança só porque você que me leu até aqui merece:… NOTA FÁ de FABULOSA. Parabéns e seja o que Paulinho Serra tirar de nós.

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