agredida por um abraço

Hell Ravani
4 min readDec 29, 2019

Sextou depois do trabalho: uma saideira. Eu poderia ter encerrado a noite ali pelas meia noite daí pedi a saideira da saidera. Só que já tinha pedido outras dez saideiras antes dessa, sem sentir que realmente poderia parar.

Nessas horas pensava de leve no meu avô alcoólatra e na voz da minha tia me almadiçoando suaves, tentando me convencer a beber menos ou acabar como ele… acabar como ele. Porra! Meu avô era telespectador assíduo do Polishop e conseguia trocar a própria fralda na maior paz. Quem dera todos os papudinhos tivessem a sorte de só se deteriorarem a ponto de esquecer as merdas que fizeram mas ainda abraçar a bengala se balançando na rede todo final de tarde.

Rezando pros bons genes do alcoolismo me salvarem, pedi a décima primeira maldita saideira até fechar o terceiro bar da noite. E sem perceber cheguei a hora crítica da madrugada: 3 da manhã, por ai.

Se são quatro da madruga, falta pouco pra amanhecer mas três ainda é noite demais pra esperar o busão. Nessa matemática atordoada era também cedo demais pra ver o nascer do Sol mas quem sabe seria a hora ideal pra salpicar o pé na água. Óbvio que na verdade, tantas saideiras evoluíram o poder da fala e a cerveja falava por mim naquele momento.

Eram três da manhã, em Copacabana, no Estado deteriorado do Rio de Janeiro. O cheiro de DEU RUIM tava no ar o ano todo mas esse dia só dava pra ver a minha vontade de sentir o mar de perto. Motivos? A música GARRA de Jorge Vecilo e Ronaldinho Gaúcho ecoava na minha mente a semana toda. Isso era motivo suficiente? Nem a pau, mas eu não ia discutir comigo.

Quando dei por mim, já tava na areia me arrependendo, ciscando feito pombo entre as pegadas de pombos reais e sacolas. Se você não conhece Copacabana e só viu por fotos: continue assim. A melhor parte da praia famosa é o glamour que ela atinge nos nossos corações mas ao vivo é meio nhénhé-Broxei-De-touca. O crédito dou ao mar: forte, sempre de ressaca e imprevisível, do mesmo jeito da minha bebedeira aleatória aquela noite. Me sentei e ouvi versos de Vecilo:

O dragão da ganância em nós deve ser domado…. Só um povo unido e guerreiro desfaz esse mal.

Ao meu lado, um grupo de amigos e familiares cantava músicas evangélicas:

Remove a minha pedra, muda a minha história, ressuscita os meus sonhos"

Poxa… o que somos? Sem nem estar chapada conclui que todas as músicas são iguais e não são pra nós, servem pra acalmar o desejo distante de vibrar como dildo na gaveta cósmica. Pensa bem, se o universo criou um objeto pra facilitar a masturbação, TEM DE SERMOS NÓS, a gente já tem todo o formatinho.

Com areia de pombo me cutucando fui embora satisfeita pensando na verdadeira função das impressoras 3D: dildos personalizados no shape de quem você ama, contanto que a pessoa autorize três vias consentindo.

E seria uma noite como outra qualquer onde saí perambulando pela contramão, até que… perdi a noção da hora…e tinha um cara me olhando do outro lado da rua. Às vezes esqueço que não posso andar na rua sempre que dá na telha, porque o peso da buceta te faz desistir de viver mais do que se gostaria. Senão é o que eventualmente acontece: você, numa rua escura contra um desconhecido te olhando da cabeça aos pés.

Troquei o lado da rua, ele veio atrás. Sem vergonha na cara, corri… ele correu veio na minha cola. Nessas horas vem o sentimento de FUDEU, a culpa católica da tia parcelada em 3x e todos os genes alcoólatras que você tem direito. Tragicamente, nenhum momentico trouxe um pingo das aulas de Muay thai, nem os golpinho de Krav Magá que precisei dar em adolescente achando que isso era um bom investimento.

Ofegante, deu pra chegar no portão do meu trabalho de volta, um lugar conhecido e seguro, mas chamei, chamei, chamei e pareciam anos em dois segundos… cadêêê? Nada. Acabou. Me virei de frente e vi o cara que me seguia. Foi quando tudo ficou estranho… ele partiu pra cima de mim e eu gritei. Aqueles grito feito pro clímax, eu soltei o rojão do desespero ali mesmo. Senti as mãos dele pelo meu corpo em lugares aleatórios, senti que virava nada aos poucos enquanto ele me tocava.

Do mesmo jeito que começou…PUFF, se foi, foi embora. Não me levou nada material apesar deu ter corrido de celular na mão… não me deixou quase nada, nem entendimento do que acabava de acontecer. O que me restou foi uma espécie de abraço… sei lá se foi essa intenção ou porque me atacou mas enquanto me pegava, foi o que senti, um abraço torto sem nenhuma explicação.

Apesar de ter saído ilesa, não entender foi uma parte difícil de superar. De fato, me senti agredida, fui agredida…por um abraço. Dentre todas as possibilidades não foi tão ruim mas foi algo de ruim e assim devo ficar até conseguir abraçar pessoas desconhecidas de novo.

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